Amazonas

Freirinha-de-cabeça-castanha reaparece em Manacapuru (AM) depois de quase 90 anos

Por que será que a Amazônia, uma das regiões com maior biodiversidade do mundo, ainda apresenta questões em aberto sobre a quantidade de espécies de aves que ocorrem no bioma? Uma das justificativas pode ser a sua vasta extensão, o que leva a ser um roteiro ainda pouco explorado. Esse foi o pontapé inicial para o biólogo Arthur Gomes começar seu trabalho de mestrado. Natural de Campinas (SP), mas com uma relação próxima com a cidade de Manaus há pelo menos cinco anos, ele queria entender sobre as espécies que vivem no estado e os padrões de distribuição das aves amazônicas. Durante a pesquisa, uma grata surpresa: o registro da freirinha-de-cabeça-castanha (Nonnula amaurocephala), que não era encontrada em Manacapuru há muitos anos.

Você deve estar se perguntando o que Manacapuru, terceiro município mais populoso do estado do Amazonas, tem a ver com essa história. Ela começou lá no início do século XX, mais precisamente em 1916, quando um casal da espécie foi coletado, taxidermizado e passou a fazer parte da coleção do Museu Paraense Emílio Goeldi. Na época, a ave chamou a atenção da ornitóloga alemã Emilie Snethlage, que vivia no Brasil e ficou conhecida internacionalmente por seus trabalhos com flora e fauna da Amazônia. Ela percebeu que era algo diferente e enviou para o ornitólogo Frank Chapman, que descreveu a espécie. “Depois disso alguns ornitólogos encontraram indivíduos em Codajás em 1935 e novamente em Manacapuru em 1936”, conta o biólogo.

Até então a freirinha-de-cabeça-castanha era conhecida apenas por exemplares coletados em Manacapuru e Codajás, mas em 1992 ela apareceu no Parque Nacional do Jaú, em Novo Airão. Em dezembro de 2006, a espécie foi fotografada pelo ornitólogo Thiago Laranjeiras na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, em Maraã. Junto com Thiago estavam Viviane Deslandes e Mario Cohn-Haft, que fez dois registros sonoros.

“As freirinhas em geral cantam pouco. É um canto baixo e quando ainda está escuro. Esse é um dos fatores que explicam o baixo número de registros. O outro fator é o tipo de ambiente, que poucas pessoas vão. É uma floresta alagada por rios de águas pretas (igapós) mais baixa que o normal e com água parada. Esse tipo de ambiente é bem pouco explorado por observadores de aves, tanto que ainda estamos entendendo quais são as espécies vizinhas. Eu não acho que tenham poucos indivíduos, mas certamente para observar essa espécie precisa desse conjunto de fatores: estar no local muito cedo, no ambiente certo e ter a sorte de algum indivíduo estar próximo e responder ao playback ou imitações. Os indivíduos que nós encontramos se aproximavam quando nós os imitávamos, mas quase nunca pousava em um lugar bom para serem observados”, explica Arthur Gomes.

A última documentação da espécie são fotos tiradas pela bióloga Simone Mamede em 2020, também na reserva de Maraã. “Foi uma expedição única com a comunidade e as vivências com a Floresta Amazônica. Demoramos seis dias para fazer o primeiro registro. É uma ave com ambientes próprios, que vive nos igapós do baixo Solimões”, lembra Simone.

DA SALA DE AULA PARA O CAMPO

Espécie mede cerca de 14 cm, se alimenta de insetos e tem comportamento praticamente desconhecido — Foto: Izaias Miranda

Espécie mede cerca de 14 cm, se alimenta de insetos e tem comportamento praticamente desconhecido — Foto: Izaias Miranda

Intrigado com o fato de o maior estado do Brasil em área territorial ter apenas quatro espécies endêmicas (jacamim-de-costas-amarelas, araçari-de-bico-de-marfim, garrincha-cinza e freirinha-de-cabeça-castanha), o biólogo Arthur Gomes começou a buscar recursos na literatura já existente.

“Quando comecei a escrever a dissertação do meu mestrado percebi que não encontrava quase nada sobre a freirinha. Li que ela foi descoberta em Manacapuru e que ficou um longo tempo desaparecida. Eu ficava me perguntando porquê uma espécie endêmica da região não era vista por observadores de aves”, indaga. Segundo o pesquisador, o Parque Nacional do Jaú e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, em Maraã, são lugares mais remotos, mas Manacapuru é acessível e ponto de encontro de muitos observadores. Isso incomodou Arthur, que tomou a decisão e disse “vou até Manacapuru para procurá-la”.

No dia 22 de julho deste ano, Arthur e outros três amigos, Gabriel Leite, Izaias Miranda e Rossano Silva, saíram em expedição atrás da tão almejada freirinha-de-cabeça-castanha. “Saímos cedo de Manaus para chegar no porto de Manacapuru ainda antes do sol nascer. Apesar de vários dias sem chuva, justamente na data em que marcamos o tempo virou. Chovia e ventava muito, o que deu uma desanimada, mas mesmo assim entramos no barco e seguimos direto para o Lago Manacapuru em busca da espécie. Quando chegamos no local não ouvíamos canto algum, mas de repente vimos uma ave se aproximando e pudemos confirmar a identificação. Encontramos um casal logo na primeira tentativa, demorou dias para a minha ficha cair”, conta.

Mestre em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Arthur explica que o acesso até o ponto que encontraram a freirinha-de-cabeça-castanha não é difícil e que o percurso leva em torno de 20 minutos de barco. “A maioria dos observadores de aves que vêm para cá já fazem passeios de barco, mas não nesse habitat específico”, diz.

FREIRINHA-DE-CABEÇA-CASTANHA

Ave já foi registrada também nas cidades de Novo Airão e Maraã — Foto: Simone Mamede

Ave já foi registrada também nas cidades de Novo Airão e Maraã — Foto: Simone Mamede

Ave da família bucconidae, a mesma dos macurus, rapazinhos, barbudos e chora-chuva, a freirinha-de-cabeça-castanha mede cerca de 14 cm, se alimenta de insetos e tem comportamento praticamente desconhecido. Possui cabeça, garganta, pescoço e peito marrom-tijolo, barriga brancacenta e asas e causa marrom-escuras.

FONTE: G1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *